O bagaço é caracterizado como um alimento com altos teores de parede celular, sendo uma fonte de fibra importante para manter a saúde ruminal, além de apresentar baixa densidade energética e em proteína e minerais, constituindo um volumoso de baixo valor nutritivo. Embora o bagaço de cana seja largamente utilizado como combustível e na produção de papel, seu potencial nutritivo na alimentação animal ainda não foi suficientemente explorado, devido às características químicas e/ou físicas que reduzem o seu aproveitamento. O principal problema do bagaço de cana, que limita seu uso na alimentação animal, é o alto teor de fibra e, ao mesmo tempo, a natureza dessa fibra que o torna um alimento de baixo valor energético.
No Brasil, as pastagens constituem a maneira mais prática e econômica de fornecer alimentos aos ruminantes. Na maioria das regiões, porém, aproximadamente 80% da matéria seca das forragens produzidas nas pastagens durante o ano estão disponíveis na estação chuvosa. O Brasil apresenta excelentes condições para a exploração de bovinos, caprinos e ovinos em pastagem, porém, em determinadas regiões, a dificuldades de se produzir alimentos volumosos, em épocas secas, tem sido a principal limitação. O bagaço de cana-de-açúcar é uma fonte alternativa na suplementação animal no período de escassez de forragem.
O bagaço de cana-de-açúcar in natura (BIN) é definido como resíduo dos colmos da cana-de-açúcar resultado da extração máxima do conteúdo celular rico em açúcares solúveis. Portanto, o bagaço reúne fragmentos grosseiros da parede celular e conteúdo celular não extraído na moagem, cujo componente principal é representado pelo açúcar não extraído durante o processo de moagem (2 a 3%) e alto teor de componentes da parede celular, em torno de 70 a 80%, dos quais a celulose é o principal (44 a 48%), seguida da hemicelulose (24 a 28%). O teor de lignina é elevado (10 a 14%), o que confere um teor elevado na relação lignina/celulose (0,2 a 0,3). Além disso, é pobre em proteínas e minerais, tendo deste modo, várias limitações para sua utilização na alimentação animal, além de reduzir a ingestão de matéria seca.
Pode-se observar que a celulose e a hemicelulose são seus principais componentes, sugerindo elevado potencial de utilização para alimentação dos ruminantes. Entretanto, a porção fibrosa da cana-de-açúcar é altamente lignificada, o que faz com que a maior parte dela esteja indisponível. A presença de sílica em elevada porcentagem, também colabora para este fato. A lignina é o principal fator limitante na digestibilidade de volumosos. Este composto, além de difícil hidrólise, promove complexas ligações com os componentes da parede celular, principalmente hemicelulose, tornando esta última resistente ao ataque das enzimas do ecossistema ruminal.
O baixo valor nutritivo do bagaço de cana-de-açúcar é determinado pela baixa digestibilidade, variando 25 a 35% e teor de nitrogênio abaixo de 2% na MS, sendo que mais de 90% é recuperado na FDA, indicando que provavelmente quase todo o nitrogênio está ligado à lignina e, portanto, indisponível ao animal.
Os tratamentos físicos e químicos utilizados para melhorar a qualidade do bagaço de cana-de-açúcar visam eliminar ou diminuir os efeitos prejudiciais da lignina sobre a degradação de compostos celulósicos pelos microrganismos do rúmen, promovendo a ruptura das complexas ligações químicas daquele componente com a celulose e a hemicelulose, disponibilizando o material, teoricamente, para adesão da população microbiana e ataque enzimático.
As indústrias tem preferido o tratamento físico, este é adotado em larga escala e o resíduo assim tratado é chamado de bagaço de cana auto-hidrolisado (BAH). A explosão a vapor consiste em submeter a biomassa celulósica à temperaturas e pressões elevadas. Estas condições severas causam um rearranjo estrutural da parede celular da biomassa, expondo assim a lignina, a celulose e a hemicelulose à subsequente conversão em açúcares. As condições ótimas de temperatura e tempo de exposição podem variar de 160 ºC a 270 ºC, por períodos de 1 a 20 minutos, sendo que, em condições severas, ocorre perda considerável de açúcar. Além de degradar frações de açúcares, esse processo pode afetar a formação de outros subprodutos. Nesse caso, alguns compostos podem ser utilizados para melhorar esse processo tais como ácido sulfúrico, dióxido de enxofre ou gás carbônico. No tratamento do bagaço de cana com pressão e vapor são três as variáveis manipuladas: pressão, temperatura e tempo de tratamento. O aumento da pressão determina elevação da digestibilidade. Por esse processo, a hemicelulose é quase totalmente solubilizada, pelo rompimento das ligações do tipo éster com a lignina, em que a liberação dos resíduos de ácido acético favorece a hidrólise. A lignina é parcialmente degradada provocando aumento dos compostos fenólicos e furfural. Na segunda fase do processo, a descompressão rápida vaporiza a água presente no interior do hidrolisador, havendo afrouxamento da estrutura fibrosa da parede celular. Alguns estudo apontam que dietas com bagaço tratado sob pressão e vapor como principal volumoso propicia um ambiente ruminal desfavorável a digestão da fibra devido a elevada taxa de passagem deste alimento pelo rúmen e os baixos valores de pH observados no fluido ruminal. Além disso, o bagaço tratado a vapor ou pressão apresenta tamanho de partículas reduzido e alta concentração de ácidos orgânicos, porém a fibra presente no bagaço tratado a vapor e pressão provoca pouco estímulo a ruminação, o tamponamento do rúmen é baixo e ocorre a queda do pH.
O tratamento químico atualmente é o método mais eficiente de incrementar os valores nutritivos dos materiais fibrosos para uso na alimentação animal, com as vantagens de não afetar a atividade microbiana do rúmen. O principal efeito reside na melhoria da digestibilidade da fibra, em torno de 43% a 70%, bem como no aumento dos valores proteicos. A principal contribuição da adição de produtos químicos como o hidróxido de sódio (NaOH) e óxido de cálcio (CaO) na cana-deaçúcar está calcada sobre a ação que os mesmos apresentam, provando alterações na parede celular e melhorando a digestibilidade. O óxido de cálcio, entretanto, tem despertado interesse em pesquisadores, pois nos últimos anos é crescente o número de trabalhos realizados com este aditivo na cana-de-açúcar. O uso de Ca(OH)2 para tratamento hidrolítico de forragens tem sido preconizado como substituto ao NaOH, devido ao menor poder corrosivo e contaminante, reduzindo os riscos operacionais, danos aos maquinários e riscos ao ambiente. O hidróxido de sódio é uma das substâncias mais eficientes para o tratamento de volumosos, porém, o elevado teor de sódio nas dietas e a possibilidade de contaminação ambiental por excreção fecal e urinária limitam seu uso. A utilização da ureia como fonte de amônia tem sido estudada por apresentar baixo custo e fácil manuseio. A amônia anidra é o nome químico dado ao composto que apresenta um átomo de nitrogênio e três de hidrogênio (NH3). Possui elevado teor de nitrogênio (82%) e, normalmente, é obtida no estado líquido sob baixas temperaturas ou pressões relativamente altas. A ureia (NH2CONH2) que, por sua vez, possui em média 44% de nitrogênio, é encontrada na forma sólida e necessita de umidade e presença da enzima uréase para que possa produzir 2NH3+CO2, para cada molécula de ureia.
O bagaço de cana in natura pode ser utilizado pelos ruminantes considerando que sua maior disponibilidade, coincide com a baixa disponibilidade de forragem. O que limita seu uso na alimentação animal é o alto teor de fibra e o baixo valor proteico. Entretanto o valor nutritivo do bagaço de cana-de-açúcar pode ser melhorado com a utilização de produtos químicos, ureia, amônia, hidróxido de sódio, sulfeto de sódio ou óxido de cálcio, além do tratamento físico com o uso de vapor sob pressão, com intuito de melhorar o valor nutritivo do volumoso por fornecer nitrogênio não proteico e reduzir a fibra em detergente neutro, bem como a melhoria das características de digestibilidade e degradação ruminal de forragens de baixa qualidade mediante tratamentos químicos ou físicos.
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